07/06/2022 - Casa Verde Amarela
Com R$ 445,7 milhões contratados em 3,9 mil financiamentos realizados no primeiro semestre pelo Casa Verde Amarela (CVA), o Rio Grande do Sul demandou, até o momento, apenas 15,4% dos R$ 2,9 bilhões destinados, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), ao Estado pelo programa habitacional do governo federal em 2022. No restante do país, a situação não é muito diferente.
Vencida a primeira metade do ano, menos de 10% dos R$ 64,4 bilhões em recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) disponíveis foram utilizados no período. As informações constam no Canal FGTS/Caixa e consideram as Cartas de Crédito Individuais (CCI) contabilizadas até sexta-feira (3).
Lançado em agosto de 2020 para substituir o Minha Casa, Minha Vida (MCMV), o novo programa foi apresentado com a meta de financiar 1,6 milhão de moradias sociais até 2024, mas chega a junho, com mais da metade do prazo transcorrido, sem que um terço das projeções traçadas tenham sido alcançadas. Os 497.923 imóveis contratados até o momento, conforme o Sistema de Gerenciamento da Habitação (Sishab), do MDR, equivalem a 31% da estimativa feita para daqui a um ano e seis meses.
Por e-mail, o MDR apresenta outra base de dados (com 624.019 moradias, que elevariam a 39% a efetividade da meta). Questionado pela reportagem se nesse universo estariam contemplados outros programas, o órgão informou que utiliza como filtro de pesquisa, além das CCI, o “apoio à produção”, que é uma modalidade oferecida pela Caixa às empresas de construção, e não às pessoas físicas incluídas no escopo do CVA.
Até o fechamento deste texto, o MDR não havia apontado as razões para a discrepância entre os 497.923 imóveis divulgados no portal oficial e as 624.019 unidades repassadas em resposta às demandas específicas da reportagem.
Para reverter o quadro, considerado abaixo das expectativas pelos analistas, em qualquer que seja o cenário, a estratégia, agora, é ampliar de 12,5% a 21,4% os subsídios médios concedidos no valor da compra dos imóveis sociais. Ou seja, é aquele desconto do valor total da unidade, que será bancado pelo governo na entrada. A medida será colocada em prática ainda neste mês e é válida até o final do ano.
Para economistas, construtores e dirigentes do setor consultados por GZH, a ação foi pensada para acelerar contratações de crédito e lançar mão de uma fatia maior dos recursos do FGTS destinados ao CVA. Isso, no momento em que o programa esbarra em aspectos econômicos, como a inflação, que o impedem de deslanchar. É o que diz, por exemplo, a coordenadora de Projetos de Construção do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), Ana Castelo:
— É mais uma tentativa de impulsionar o CVA. As contratações estão muito aquém das metas e do próprio orçamento. Há, claramente, dificuldades que estão relacionadas com um contexto mais desafiador e que o programa não consegue dar conta — comenta.
Ana acrescenta que, por um lado, os custos representam desestímulo às construtoras. De outro, mesmo que as famílias do CVA não sejam afetadas pelos juros (sem alterações no programa), as pressões no orçamento limitam o interesse.
Efeitos da inflação
Para o vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado (Sinduscon-RS) e da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Ricardo Michelon, mais do que a mudança nos subsídios, o desafio seria dar conta da elevação dos preços. Ele explica que o programa tem como fonte de recursos o FGTS e que são dois os tipos de subsídio: nos juros (abaixo do mercado, que oscilam de 4,25% a 8,16% ao ano, de acordo com cada grupo de renda) e no desconto do valor dos imóveis.
É do segundo aspecto que trata a alteração anunciada para ampliar a participação do governo nos aportes ao programa. A ideia é que o benefício fique no intervalo de 12,5% a 21,4%. Isso será definido considerando critérios como a renda familiar, a região e a população do município.
— Vai levar tempo para chegar ao mercado. Dependendo da região e da renda, se terá direito a um desconto maior. Funciona como uma entrada, se é necessário dar R$ 20 mil, por exemplo, o percentual compatível com cada pessoa será abatido disso — exemplifica o dirigente.
A medida, afirma Michelon, ajuda, mas não afasta o drama da inflação. É que, no atual cenário, os construtores não conseguem corrigir os contratos do CVA, argumenta. Diferentemente do que acontece nas outras modalidades do mercado, em que existem índices de reajuste fixados, os de habitação popular já saem com contratos resolvidos desde a assinatura.
— Como construtores, ficamos muito expostos. Se explode a inflação em três anos (tempo médio de uma obra), fica-se com uma bomba relógio na mão. O cenário é complicado para a habitação social, que deveria ser priorizada porque resolve uma série de problemas sociais. Essa estratégia deveria ser reavaliada de acordo com o momento econômico atual — esclarece.
Para se ter uma ideia, somente no ano passado, o Índice Nacional de Custo da Construção Civil (INCC) subiu 13,94%. Neste ano, até abril, já acumula alta de 3,93%. Em 12 meses, a elevação é de 11,53%.
Impacto nas margens
Eduardo Fischer, CEO da construtora MRV, avalia que o impacto é sentido nas margens de lucro do setor e, em igual compasso, atinge o poder de compra. No CVA, a empresa tem 17 empreendimentos em construção e outros 23 em venda no Rio Grande do Sul.
Entre eles, o Porto Lisboa, em Canoas, deverá ser entregue ainda neste mês e possui 200 apartamentos, com preço médio de R$ 150 mil. Também em junho será lançado mais um projeto, desta vez, em Gravataí, já dentro da nova modalidade.
Com opções a partir de R$ 159 mil, a previsão da construtora é de que os subsídios possam chegar até R$ 40 mil, dependendo do grupo de renda. Segundo o executivo, o movimento colocado em prática pelo governo federal demonstra “preocupação real com as questões sociais e de habitação”:
— Sinaliza que busca o reequilíbrio, criando condições para que mais pessoas e famílias tenham acesso à casa própria. Entendemos que esta primeira ação foi muito acertada para a retomada do CVA.
Menos convênios e mais desassistidos
Em 2021, de acordo com dados do canal FGTS que se referem às CCI, no Brasil, foram financiadas 143,2 mil unidades de habitação, totalizando R$ 15,5 bilhões. Em seis meses de 2022, somente 52,5 mil unidades, ou 36% do total efetivado no ano passado, foram contratadas, com R$ 6 bilhões liberados em crédito, o que equivale a 38% do total registrado no período anterior.
Com 9,8 mil imóveis e pouco mais de R$ 1 bilhão em financiamentos, o Rio Grande do Sul respondeu por 6,8% das contratações e do dinheiro empregados pelo programa em 2021. Neste ano, a participação do Estado, com 3,9 mil unidades e R$ 445,7 milhões em crédito, chega a 7,2% das moradias e dos recursos relativos ao CVA em todo o país.
Esse desempenho, conforme revelam os especialistas, também está ligado a outros dois fatores. O primeiro foi a extinção da chamada faixa 1, antes direcionada para as famílias com renda de até R$ 1,8 mil e que contava com subsídios de até 95% para a construção dos apartamentos.
O segundo é a concentração dos mesmos subsídios, em menor proporção, no agora grupo 1, que abrange famílias com ganhos de até R$ 2 mil. Essa, por sua vez, era a chamada faixa 1,5 do MCMV, com menos subsídios, mas renda máxima de R$ 2,6 mil.
Na prática, a ampliação do percentual dos subsídios é uma tentativa de reverter o contexto. Mas, de acordo com Ana Castelo, da FGV/Ibre, a parcela mais vulnerável da população, e que inclui grande parte do déficit habitacional – projetado em 5,8 milhões de moradias no país (250 mil no RS) –, está e continuará desassistida:
— Na faixa 1 havia uma destinação para aquelas famílias sem condições de arcar com o financiamento. Nos outros grupos, há parcelas de subsídio, mas se arca com o financiamento. Com isso, reduz-se a quantidade de famílias com acesso ao programa.
Além dessas mudanças, há uma diminuição dos convênios firmados com os Estados. Nessa modalidade é permitida, por exemplo, a doação de terrenos como contrapartida de 20% em subsídios para novos empreendimentos do CVA. No momento, informa o secretário de Obras e Habitação do RS, Volnei Minozzo, o Rio Grande do Sul conclui 18 projetos remanescentes do MCMV, mas não há uma iniciativa sequer dentro do CVA, apesar de ter assinado, em setembro do ano passado, uma carta de intenções.
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